O Livre Mercado de Energia Elétrica Brasileiro – Parte IV: as Comercializadoras
A primeira comercializadora de energia brasileira surgiu em 1998, com a missão de negociar sobras de energia e atender os primeiros consumidores livres do país. Em fevereiro de 2006, de acordo com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, já existiam 46 comercializadoras registradas oficialmente, embora nem todas atuantes. Destas, 25 eram associadas à Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica – ABRACEEL.
Apesar de existentes desde 1998, as operações de comercialização de energia no mercado livre só vieram a ganhar volume a partir do início do século XXI, período particularmente difícil para o mercado de energia em boa parte do mundo. Em 2001 vieram a público as práticas fraudulentas da Enron e ocorreu o ataque ao World Trade Center, este último vindo a causar uma desaceleração da economia mundial. Entre 2000 e 2001 a Califórnia mergulhou em uma crise energética causada, dentre outros motivos, por falhas no processo de reestruturação e desregulamentação. No Brasil o racionamento energético, ocorrido entre junho de 2001 e março de 2002, provocou a primeira mudança no novo modelo setorial, prejudicou a privatização de geradoras e foi incorretamente atribuído à reestruturação do setor e à criação do Mercado Atacadista de Energia – MAE. Todos esses problemas, especialmente o escândalo da Enron, afetaram negativamente a imagem das comercializadoras. A recuperação deu-se aos poucos e hoje tais agentes gozam de grande prestígio, sendo reconhecidos pela agilidade na criação e implementação de soluções para o mercado livre. Nos EUA e na Europa, as comercializadoras também estão se recuperando do impacto negativo causado pela Enron [1].
No Brasil, devido a particularidades do processo de reestruturação, as comercializadoras dividem-se em dois tipos básicos: as “independentes”, desvinculadas de grandes grupos, e as “vinculadas”, que atuam no bojo de uma grande distribuidora ou geradora, ainda que com personalidade jurídica diferente. No primeiro caso, a comercializadora atua agressivamente, de modo a conquistar mercado. No segundo, especialmente quando a comercializadora é vinculada a uma distribuidora, a atuação é defensiva, na tentativa de se evitar ou minimizar a perda de consumidores cativos. Comercializadoras vinculadas a geradores geralmente operam no mercado atacadista, não no varejista. Isso ocorre porque a gestão de contratos de pequenos montantes não é atrativa do ponto de vista de um gerador detentor de capacidade produtiva da ordem de centenas ou milhares de mega-watts. Uma exceção é o caso das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), usinas de biomassa, eólicas e fotovoltaicas, autorizadas a vender energia a consumidores de alta tensão, desde que estes tenham demanda igual ou superior a 500 kW. Nesse caso, tanto os consumidores quanto as usinas são de pequeno porte, e o gerador geralmente é representado na CCEE por outro agente.
No início do Mercado Livre brasileiro, as comercializadoras eram vistas como meras atravessadoras. Tal pensamento era certamente reflexo do ambiente monopolista e fechado à competição que vigorava até então. Com o tempo, ficou evidente que o papel desempenhado pelas comercializadoras é importante e relevante, pois elas:
- Efetivam a aproximação entre os demais agentes do Setor Elétrico, principalmente geradores e consumidores, aumentando a liquidez do mercado, incentivando a competição e reduzindo os preços aos consumidores finais.
- Com seu know-how especializado, contribuem para a divulgação e melhoria das regras e procedimentos do mercado de energia.
- Oferecem assessoria clara e segura aos demais agentes do mercado.Assumem riscos de preços, prazos, crédito e performance de consumidores e geradores.
Assim, as comercializadoras atuam como intermediários de alto nível entre geradores e consumidores, fornecendo assessoria durante o processo de migração para o mercado livre e oferecendo os melhores preços e condições após a migração. Dentre as várias atividades realizadas pelas comercializadoras, encontram-se:
- Análise econômico-financeira comparativa entre as modalidades de fornecimento de energia elétrica como Consumidor Cativo e como Consumidor Livre.
- Análise jurídica dos contratos atuais firmados entre as unidades consumidoras do cliente e as respectivas distribuidoras locais.
- Apresentação da base legal que qualifica cada unidade consumidora do cliente a migrar para a modalidade Consumidor Livre.
- Realização de cotações e leilões de compra de energia elétrica no mercado, e efetivação da contratação aprovada pelo cliente.
- Assessoria em todas as etapas envolvidas na obtenção dos contratos de conexão e uso e de outros contratos que venham a ser necessários.
- Determinação do tipo e montante das garantias a serem aportadas, frente à CCEE ou a geradores, referentes ao fornecimento de energia elétrica.
- Instalação e disponibilização do sistema de acompanhamento de medição de energia das unidades consumidoras do cliente.
- Emissão de relatórios mensais e detalhados de comercialização.
- Acompanhamento do consumo das unidades consumidoras e avaliação das necessidades de aquisição de energia adicional.
- Acompanhamento, junto ao MAE e ao ONS, das mudanças nas regras e procedimentos de mercado.
- Acompanhamento da legislação do Setor Elétrico junto à ANEEL, e manutenção constante das condições legais de fornecimento.Representação e estruturação de leilões de energia elétrica, caso sejam de interesse do cliente.
A contratação de uma comercializadora não é obrigatória para que um consumidor de energia se torne livre, mas facilita bastante o processo, garantindo segurança a todas as partes envolvidas.
No próximo artigo detalharemos o processo de compra de energia no mercado livre.
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[1] BARRIONUEVO, A. Energy Trading, Post-Enron. In: New York Times, 15 de janeiro de 2006.
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