Produção termelétrica e riscos de déficit
Após reunião recente do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), o governo admitiu pela primeira vez que o país enfrenta um risco de déficit ("apagão"), embora baixíssimo. A forma como a declaração foi feita é curiosa: o governo afirma que o fornecimento de energia está garantido para 2014, "a não ser que ocorra uma série de vazões pior do que as já registradas" [1].
Ora, para avaliarmos riscos, devemos incluir todos os cenários possíveis. Logo, devemos incluir também o cenário no qual as vazões continuam a piorar. Logo, se existe tal cenário, existe risco de déficit.
Na verdade, a existência de riscos de déficit em um sistema hidrotérmico como o brasileiro não é novidade para profissional algum do setor. Construir um sistema hidrotérmico de risco zero seria caríssimo, por causa do número elevado de usinas térmicas que deveria ser adicionado ao sistema. Assim, a teoria diz que o sistema deve ser planejado de modo que o risco de déficit seja não nulo, algo como 5%. Isso significa que, se dispuséssemos de uma fictícia máquina do tempo, capaz de voltar ao início de um dado período de tempo e "rodar" o sistema elétrico vinte vezes, ao menos em uma dessas vezes o sistema apresentaria déficit.
No momento, já que não dispomos de máquinas do tempo e nem de usinas térmicas baratas em número suficiente, estamos usando ("despachando") todas as usinas térmicas disponíveis, incluindo as caríssimas usinas a óleo combustível. A Fig.1 abaixo mostra que a produção termelétrica recente tem atingido picos superiores a 15.000 MW médios. Comparativamente, o maior despacho térmico em 2013 foi de 14.528 MW médios (em 19/junho, pleno período seco).
Talvez nas próximas semanas as vazões continuem aumentando e aumentem com elas os armazenamentos dos reservatórios das hidrelétricas, especialmente no Sudeste/Centro-Oeste. Talvez as temperaturas continuem em redução e com elas seja reduzido o consumo de energia devido ao ar condicionado. Talvez. Mas, de qualquer forma, é desconfortável saber que estamos nas mãos de variáveis aleatórias em tal número que, no final de 2013, o ONS, prevendo o aumento das vazões, reduziu o despacho térmico. Então as vazões não chegaram e o despacho térmico teve de ser elevado novamente. E o final de 2013 foi praticamente ontem!
[2] Operador Nacional do Sistema Elétrico. ONS. Informativo Preliminar Diário da Operação - IPDO.