Cachorrinhos espancados e a falácia do espantalho
No último 14 de dezembro um vídeo foi publicado no YouTube, no qual uma moradora de Formosa (GO) espanca até a morte um cãozinho da raça Yorkshire, com auxílio de um balde. O vídeo teria sido filmado por uma vizinha da agressora e o ato teria sido presenciado pela filha desta.
Não assisti o vídeo e não sei se o assistirei. O processo judicial aberto contra a agressora, contudo, não deixa dúvidas de que o crime realmente ocorreu.
Algum tempo depois da avalanche de mensagens indignadas nas redes sociais, começou a aparecer, ao menos no facebook, um novo tipo de mensagem, que, apesar das suas várias versões, consistia basicamente de um único argumento: "enquanto você perdia tempo postando mensagens sobre cachorros espancados, muita coisa mais importante acontecia no Brasil e no mundo".
Tentar buscar racionalidade em redes sociais, em particular, e no ser humano, em geral, é quase uma perda de tempo, mas não custa lembrar que o argumento acima é altamente falacioso.
A falácia em questão, abundante no facebook, pelo que tenho visto, e certamente muito característica da maneira humana de pensar, é denominada falácia do espantalho. O "espantalho", aqui, não é um daqueles bonecos usados para espantar pássaros em plantações, mas um daqueles bonecos usados em treinamento de combate. O boneco representa o inimigo, mas é obviamente mais fácil de atacar (além de ser geralmente muito difícil conseguir voluntários vivos para serem esfaqueados e receberem tiros de soldados em treinamento).
A falácia do espantalho consiste, portanto, em caricaturizar um argumento com o objetivo de tornar mais fácil o ataque.
No caso presente, atacar os defensores dos animais, todos eles indignados e pedindo pena máxima à agressora do Yorkshire, bem como apoiar a agressora, seria muito difícil, pois mostraria uma falta de compaixão mal vista no mundo atual. Em vez de fazer isso, algumas pessoas optaram por caricaturizar a agressão ao cachorro, tentando ridicularizá-la frente a acontecimentos supostamente mais importantes.
Mas, como dizem, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".
Sim, vereadores e deputados aumentando seus próprios salários em ano de crise econômica internacional são acontecimentos importantes, que merecem nossa atenção e indignação.
Sim, marginais que espancam e incendeiam moradores de rua merecem da mesma forma nossa indignação.
E, sim, o aumento da violência urbana é alarmante e merece toda nossa atenção.
Todavia, algo me diz que todos esses acontecimentos, incluindo o caso do Yorkshire, são apenas reflexos da mesma deficiência de formação do povo brasileiro. Afinal, em que país razoavelmente desenvolvido e civilizado um cachorro, e um dos menores cachorros existentes, seria espancado até à morte, frente às câmeras, sem causar algum tipo de indignação?
Precisamos aprender a separar fatos e argumentos e analisá-los corretamente, sob o risco de continuarmos a merecer os governantes que temos tido. Se é que as pessoas que deram um "compartilhar" no comentário falacioso estavam realmente interessadas no bem do país e não apenas em fazer uma gracinha frente a seus amigos.
Não assisti o vídeo e não sei se o assistirei. O processo judicial aberto contra a agressora, contudo, não deixa dúvidas de que o crime realmente ocorreu.
Algum tempo depois da avalanche de mensagens indignadas nas redes sociais, começou a aparecer, ao menos no facebook, um novo tipo de mensagem, que, apesar das suas várias versões, consistia basicamente de um único argumento: "enquanto você perdia tempo postando mensagens sobre cachorros espancados, muita coisa mais importante acontecia no Brasil e no mundo".
Tentar buscar racionalidade em redes sociais, em particular, e no ser humano, em geral, é quase uma perda de tempo, mas não custa lembrar que o argumento acima é altamente falacioso.
A falácia em questão, abundante no facebook, pelo que tenho visto, e certamente muito característica da maneira humana de pensar, é denominada falácia do espantalho. O "espantalho", aqui, não é um daqueles bonecos usados para espantar pássaros em plantações, mas um daqueles bonecos usados em treinamento de combate. O boneco representa o inimigo, mas é obviamente mais fácil de atacar (além de ser geralmente muito difícil conseguir voluntários vivos para serem esfaqueados e receberem tiros de soldados em treinamento).
A falácia do espantalho consiste, portanto, em caricaturizar um argumento com o objetivo de tornar mais fácil o ataque.
No caso presente, atacar os defensores dos animais, todos eles indignados e pedindo pena máxima à agressora do Yorkshire, bem como apoiar a agressora, seria muito difícil, pois mostraria uma falta de compaixão mal vista no mundo atual. Em vez de fazer isso, algumas pessoas optaram por caricaturizar a agressão ao cachorro, tentando ridicularizá-la frente a acontecimentos supostamente mais importantes.
Mas, como dizem, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".
Sim, vereadores e deputados aumentando seus próprios salários em ano de crise econômica internacional são acontecimentos importantes, que merecem nossa atenção e indignação.
Sim, marginais que espancam e incendeiam moradores de rua merecem da mesma forma nossa indignação.
E, sim, o aumento da violência urbana é alarmante e merece toda nossa atenção.
Todavia, algo me diz que todos esses acontecimentos, incluindo o caso do Yorkshire, são apenas reflexos da mesma deficiência de formação do povo brasileiro. Afinal, em que país razoavelmente desenvolvido e civilizado um cachorro, e um dos menores cachorros existentes, seria espancado até à morte, frente às câmeras, sem causar algum tipo de indignação?
Precisamos aprender a separar fatos e argumentos e analisá-los corretamente, sob o risco de continuarmos a merecer os governantes que temos tido. Se é que as pessoas que deram um "compartilhar" no comentário falacioso estavam realmente interessadas no bem do país e não apenas em fazer uma gracinha frente a seus amigos.