quinta-feira, abril 29, 2010

Belo Monte, avatares e nosso futuro nuclear

A lição que ficou após o leilão da usina de Belo Monte, realizado no último dia 20, é que o empreendimento, antes de ser uma fonte de energia para o Brasil, será uma enorme fonte de problemas para o Governo. Provas das dificuldades a serem enfrentadas foram os protestos realizados por James Cameron e seus avatares, sem falar nos índios de sempre, brandindo seus tacapes e facões.

Não tenho nada contra protestos. Afinal, não estamos na Venezuela ou em Cuba, países nos quais protestos e manifestações são reprimidos com cacetetes, balas de borracha e balas de chumbo. Contudo, por mera questão de consistência, parece-me adequado que aquele que protesta esteja minimamente qualificado para tanto. Não é o que acontece com James Cameron, um canadense que se mudou para os EUA aos 17 anos, e de Sigourney Weaver, norte-americana de nascimento. De fato, norte-americanos e canadenses estão entre os maiores consumidores de energia elétrica do mundo.

Em 2005 o consumo de energia elétrica do Brasil totalizou 368.500.000 MWh (megawatts-hora), ou 368,5 bilhões de quilowatts-hora. Esse consumo nos coloca em décimo lugar dentre os países com mais de um milhão de habitantes, espremidos entre a Coreia do Sul e a Inglaterra. Todavia, nossa posição cai bastante quando calculamos o consumo anual per capita, que resulta em 1,98 MWh/ano e nos coloca em 65° lugar, inferior à media mundial per capita de 2,60 MWh/ano.

A situação é bem mais impressionante quando consideramos o Canadá. Embora o consumo anual deste país tenha sido de 540.200.000 MWh em 2005, cerca de 47% acima do nosso, o consumo per capita dos canadenses foi de 16,82 MWh, quase oito vezes e meia maior do que o nosso. Esse número coloca o Canadá, terra natal de James Cameron, em terceiro lugar no mundo em termos de consumo per capita, atrás somente da Noruega e da Finlândia.

O consumo anual per capita dos norte-americanos (ou “estado-unidenses”, como insistem alguns) em 2005 foi de 12,80 MWh, número que os coloca em um humilde sexto lugar, atrás de Noruega, Finlândia, Canadá, Suécia e, acreditem, Kuaite. Contudo, o consumo anual total dos EUA em 2005 foi de 3.816.000.000 MWh, pouco mais de 10 vezes superior ao nosso e correspondente a mais de 20% do consumo mundial. Em outras palavras, embora os norte-americanos, dentre os quais se encontra Sigourney Weaver, não sejam os campeões do consumo de energia elétrica per capita, eles consomem mais de 20% da energia elétrica gerada no planeta, embora a população norte-americana seja pouco superior a 4,6% da população mundial.

Assim, é no mínimo um pouco estranho que canadenses e norte-americanos, que já exploram todos seus recursos naturais na geração de energia elétrica, venham ao Brasil nos dizer quais usinas devemos ou não construir. A decisão é nossa e, se alguém quiser interferir, deverá nos pagar pelo nosso déficit futuro de energia elétrica.

A verdade é que o Brasil precisará de muita energia elétrica se quiser continuar crescendo e se quiser atingir um nível de desenvolvimento comparável ao do menos desenvolvido dentre os países desenvolvidos. E, para isso, precisaremos de várias centenas de mega-watts de potência instalada. Belo Monte, caso venha mesmo a ser construída, acrescentará 10% à nossa capacidade atualmente instalada, mas gerará menos de 8% da nossa produção atual. É bastante, mas precisaremos muito mais do que isso. Considerando que as hidrelétricas de grande e médio portes estão cada vez mais distantes e mais caras, que não temos carvão suficiente, que nossas reservas de gás natural são poucas e finitas, e que é insanidade queimar diesel ou óleo combustível para gerar energia, a conclusão é uma só: nosso futuro é nuclear.

P.S.: para aqueles que acharam que esse texto ficou muito incisivo e com jeito de “yankees go home” (longe de mim!) cabe a pergunta: qual seria a reação dos norte-americanos caso um cineasta brasileiro organizasse um movimento contra a construção de uma usina hidrelétrica nos EUA?

sábado, abril 10, 2010

Discurso de formatura - 8/4/2010

Na noite do último 8 de abril tive novamente a honra de ser paraninfo da turma de formandos do curso de Engenharia Elétrica da UTFPR. Segue-se o discurso que eles tiveram de aguentar:

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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Marcos Flávio de Oliveira Schiefler Filho, demais autoridades já nomeadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.

É uma satisfação e uma grande honra ter sido escolhido como paraninfo da turma de vocês. Dessa vez a satisfação é ainda maior, por dois motivos. Primeiro, porque 2009 foi um ano especial, marcado pelo centenário da UTFPR e pelos aniversários de 50 anos do DAELT e de 30 anos do curso de Engenharia Industrial Elétrica. O segundo motivo, se vocês me permitem um momento de bazófia, foi ter sido escolhido como paraninfo das duas turmas de Engenharia Eletrotécnica que se formaram em 2009, este ano que marcou também o aniversário de 20 anos da minha própria formatura e da formatura de vários outros engenheiros, como o professor Mariano e o professor Schiefler, que aqui estão.

Infelizmente, 2009 não foi somente um ano de festas, mas também um ano de grandes dificuldades e provações, especialmente para o DAELT. Em setembro, depois de um início de semestre particularmente difícil, por causa da gripe suína, o professor Josemar foi afastado por motivos de saúde. Dois outros colegas do curso de Tecnologia também estão no momento em licença médica, para tratamento: o professor Alexandre e a professora Rosalba. No final do ano faleceu o professor Lauro Pofahl, que, se não era um professor do curso de Engenharia e já estava aposentado, era uma verdadeira lenda dentro do DAELT. Minhas homenagens a esses colegas.

Mas o golpe mais pesado veio realmente em outubro, com o falecimento totalmente inesperado do professor Ayrton, meu professor, meu incentivador, meu colega durante 18 anos e uma das pessoas mais calmas e serenas que já conheci.

O professor Ayrton estará para sempre na minha memória e também no meu álbum de formatura, como professor homenageado. Ao dar o nome dele a esta turma de formatura vocês revelam grande sensibilidade, ao mesmo tempo em que continuam uma antiga tradição. Basta ver quantas vezes o nome dele aparece nas placas de bronze espalhadas pelo Bloco E. Continuando essa tradição, dedico este discurso ao professor Ayrton.

Apesar de todo o tempo que se passou desde que eu estive aí, no lugar de vocês, é interessante notar que algumas coisas não mudaram muito. As becas mudaram, o ritual mudou um pouco, o uso da tecnologia aumentou, a cerimônia ficou mais colorida e mais bonita, com participação de mais mulheres, mas os rostos felizes, a sensação de missão cumprida, os risos e lágrimas, essa leve ansiedade no ar e a expectativa pelo futuro continuam as mesmas.

Mas, fora desse ambiente de formatura, a coisa mudou radicalmente. É desnecessário detalhar o quanto a tecnologia evoluiu desde então. Basta dizer, por exemplo, que a internet não existia. E, se vocês percorressem os escritórios daquela época, veriam também que havia pouquíssimos computadores, mesmo nas grandes empresas. Hoje até mesmo os estagiários de pequenas empresas têm computadores. Mais incrível: os estagiários de hoje têm até mesmo direitos trabalhistas!

Antes que vocês me entendam mal, deixem-me esclarecer algumas coisas: há vinte anos os dinossauros não andavam mais pela Terra (a não ser dentro de algumas empresas), as fotografias ainda não eram digitais, mas também não eram mais em preto e branco, e os televisores ainda não eram de tela plana, mas também não eram mais valvulados.

Mas não só nos aspectos tecnológicos as coisas mudaram completamente. Em 1989 o mundo estava em festa. A União Soviética estava se desintegrando, o Muro de Berlim cairia em novembro daquele ano e o comunismo estava acabando. Para mim, que passei toda a adolescência assombrado pela Guerra Fria, foi uma agradável surpresa constatar que o conflito se encerrou por W.O., e não com bombas atômicas explodindo em Moscou, Washington e Pinhais.

Mas, no Brasil, a coisa estava longe de ser uma festa, especialmente em termos econômicos. Entre 1985, quando eu passei no vestibular, e 1994, quando foi criado o Plano Real, a inflação anual oscilou entre 65% e 2.700%. Logo, essa inflação anual de 5% que hoje nos preocupa, naquela época era coisa de uma semana. Assustador.

Na verdade, se eu tivesse planejado as coisas de maneira a me formar na pior época possível, em termos econômicos, eu não teria acertado tanto. É impossível dizer a vocês, que viveram apenas a primeira infância nesse período de hiperinflação, como eram as coisas então. Basta dizer o seguinte: a hiperinflação simplesmente impedia o planejamento e destruía o futuro. Destruía o futuro.

A melhor época para alguém se formar não foi há vinte anos. A melhor época é hoje e vocês não têm ideia do privilégio que estão tendo em se formar em um país com economia estável, que não deve um cent ao FMI e que tem hoje mais condições do que nunca de ser feliz. Ainda não somos um país desenvolvido, mas pelo menos hoje temos futuro. Além disso, talvez venhamos a precisar de um milhão e meio de engenheiros nos próximos anos, de modo a dar prosseguimento a todas as obras necessárias ao crescimento de nosso país. Assim, o mercado de trabalho hoje está “comprador”.

O futuro é um assunto que sempre me fascinou, pois em larga escala ele é imprevisível. Ninguém pode prever o futuro, por uma mera questão de lógica: se fosse possível prevê-lo, ele poderia ser alterado e, podendo ser alterado, não poderia mais ser previsto.

Mas, se não podemos prever o futuro, ao menos podemos nos preparar para ele. Podemos planejar e criar estratégias válidas em qualquer cenário futuro. Um exemplo rápido disso nunca me saiu da cabeça.

Há 18 anos, quando passei no concurso para professor, eu e mais uns quinze ou vinte funcionários fomos recebidos pelo diretor da época, o professor Ataíde Moacir Ferrazza. Após uma apresentação da estrutura organizacional do então CEFET-PR, que oferecia cursos técnicos, de graduação, mestrado e doutorado, ele comentou: “vejam que, verticalmente, nossa instituição já é uma universidade”. Assim, a ideia de se transformar o CEFET-PR em universidade não foi algo que surgiu da noite para o dia. Pelo contrário, essa ideia foi planejada e estudada durante anos, até poder ser efetivada. É assim que nascem os sonhos e, por causa desse sonho, por causa dessa estratégia, somos hoje a UTFPR.

Uma das vantagens em ser universidade é que, em qualquer lugar do mundo, esse conceito é mais facilmente absorvido e entendido do que o conceito de Centro Federal de Educação. Por exemplo, uma das coisas que me deixavam realmente irritado pouco depois da minha formatura era, logo após dizer que havia me formado no CEFET, ouvir as pessoas exclamarem: “puxa, eu não sabia que havia curso de Engenharia no CEFET...”. Bem, um dos problemas era que nossa imagem era muito ligada aos cursos técnicos, que tiveram e ainda têm sua importância. Outro era que nosso curso de Engenharia tinha apenas 10 anos na época e talvez houvesse apenas 300 engenheiros formados aqui. Hoje, temos quase 1.400, só em Engenharia Eletrotécnica.

Atualmente nossos alunos estão espalhados pelo Brasil e também pelo mundo. Já os encontrei em empresas como WEG, Areva, Chesf, Petrobras, Eletrobrás, Copel, Celesc, Eletrosul, Schneider, Siemens, Bematech, Brasil Telecom, Oi, Vivo, Claro, Arteche, Itaipu, Philips, Camargo Corrêa, Nokia e até na Receita Federal e na Polícia Federal (sem falar naqueles que trabalham em empresas de pequeno e médio portes, naqueles de vocação mais empreendedora, que abriram suas próprias empresas, e naqueles que, tendo sido contaminados pelo vírus da Educação, tornaram-se professores universitários).

Nossa história mostra que atingir a excelência é difícil, mas possível, e é nesse caminho que estamos. A receita para a excelência eu aprendi com os ingleses.

A Inglaterra é um país fantástico e estranho. A culinária deles, por exemplo, inclui um pudim que não é pudim e um bife que não é bife, sem falar na famosa torta de rins. Os ingleses têm alguns hobbies estranhos, como o trainspotting (observação de trens), e um dos esportes nacionais deles é o críquete. Mas uma das muitíssimas coisas que os ingleses fazem bem é a construção de jardins e parques, ou seja, o paisagismo, arte na qual o Brasil teve um grande expoente: Roberto Burle Marx. A receita para um jardim perfeito, segundo os ingleses, é simples: comece com mudas e sementes selecionadas, contrate os melhores profissionais no assunto, planeje bem e... regue durante 100 anos.

É isso que temos feito nesses últimos 100 anos, mas é necessário que vocês continuem conosco nessa tarefa de regar nosso jardim. Assim, cada vez que vocês fizerem algo de fantástico e extraordinário, não se esqueçam de mencionar onde se formaram e não se esqueçam de dizer “Olé”!

Olé para vocês também! Vocês merecem.

Obrigado por tudo. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!