Discurso de formatura - 14/08/2008
No último dia 14 tive novamente a satisfação de ser escolhido como paraninfo da turma de formandos do curso de Engenharia Industrial Elétrica, ênfase Eletrotécnica, da UTFPR. Segue abaixo o discurso proferido.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já nomeadas, queridos pais, familiares e amigos, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.
É uma grande honra e uma grande satisfação ser escolhido como paraninfo da turma de vocês, especialmente sabendo que os candidatos são tantos e tão ilustres. O lado bom disso é saber que eu devo estar fazendo algo de certo. O lado ruim é que eu não tenho idéia do que seja.
Mas para vocês também há um lado bom e um lado ruim nisso. O lado ruim é terem que agüentar essa última aula. O lado bom é que ela dura bem menos de 50 minutos. E, se vocês me desculparem, nesses poucos minutos eu vou falar sobre um único assunto do qual ninguém e nem eu sabe nada: o futuro.
O futuro, essa terra desconhecida, essa terra a ser desbravada.A primeira lição sobre o futuro é a imprevisibilidade. Na vida de uma pessoa, e também em várias situações físicas, o número de variáveis a considerar é tão grande e essas variáveis são tão sensíveis que em geral qualquer previsão é impossível.
Embora os exemplos disso estejam espalhados pelos jornais do mundo todo, se vocês me permitem, eu vou cometer a impertinência de contar um pequeno exemplo pessoal dessa imprevisibilidade.
Quando eu me formei, um dos meus sonhos profissionais era me tornar professor de eletromagnetismo. Bem, cada louco com sua mania. Dois anos após a formatura, finalmente o antigo CEFET-PR abriu um concurso público para o cargo que eu queria.
Contudo, aquele foi um concurso um pouco diferente. Em vez de valer somente para eletromagnetismo, ele valia também para máquinas elétricas e assim havia doze pontos a se estudar: seis de eletromagnetismo, seis de máquinas elétricas. Como eu achava que entendia também de máquinas elétricas, fiz a inscrição. Mas hoje sei que não sabia de nada.
No dia da prova escrita, o chefe da banca, que era o professor Patrício, sorteou um dos doze pontos e lá estava ele: fluxo elétrico, um assunto de eletromagnetismo. Passei na prova escrita e me classifiquei para a prova didática.
No dia do sorteio do ponto para a prova didática, dei sorte de novo. O ponto sorteado foi indutância e lei de Faraday, outro assunto de eletromagnetismo. Resultado: fiquei em segundo lugar, com o professor Colla em primeiro, que foi contratado imediatamente. Eu, por outro lado, deveria aguardar até que uma segunda vaga fosse aberta.
Vocês podem achar que foi uma tremenda sorte que os dois assuntos sorteados tenham sido exatamente aqueles que eu dominava. E foi sorte mesmo. Mas, por outro lado, eu havia feito outro concurso público antes, para o Departamento de Física, e no qual fui reprovado de maneira retumbante. Foi assim que descobri a primeira lei da vida: “é preciso continuar tentando, e tentar de várias maneiras diferentes, até que a sorte apareça”.
Um ou dois meses depois, recebi um telefonema do professor Joaquim, avisando que havia uma vaga para professor de Conversão II, uma disciplina que trata de máquinas elétricas.
Então, perguntei: “Quando devo dar a primeira aula?”. E o professor Joaquim respondeu: “Amanhã!”
E eu devo ter perguntado: “dá para tomar uma Kaiser antes?”
Bem, por causa da urgência, pedi uma folga na empresa onde eu trabalhava na época e passei um dia inteiro me preparando para a aula. E naquela noite devo ter dado a pior aula de máquinas elétricas de todos os tempos e lugares! Caso vocês não acreditem, perguntem para o professor Walenia, que está aqui ao lado e foi uma das vítimas da época.
Quatro ou cinco anos depois, finalmente consegui assumir duas turmas de Eletromagnetismo, abandonando Conversão 2. Aparentemente, meu sonho na UTFPR estava se realizando. Mas só aparentemente.
Um ou dois anos depois aconteceu uma coisa estranha. Eu havia passado muito tempo perturbando cada coordenador de curso que entrava, insistindo que eu deveria lecionar somente Eletromagnetismo, que aquilo era minha vida, que eu havia me preparado muito, etc. Mas, quando isso finalmente aconteceu, passei a sentir falta de Conversão 2.
Eu simplesmente não havia previsto essa parte. Foi daí que descobri a segunda lei da vida: “quando você passar a fazer apenas aquilo de que gosta, você passará a gostar de outra coisa”.
E hoje, mesmo tendo que apagar incêndios ocasionais em outras disciplinas, eu sou basicamente um feliz professor de máquinas elétricas.
Assim, o futuro só é previsível nos filmes de Hollywood e nos livros de auto-ajuda. Na vida real, não adianta tentar prevê-lo. John Lennon deixou isso claro em uma canção de 1980, na qual ele escreveu um verso que pode ser entendido como a terceira lei da vida: “a vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”.
Esse verso se tornou tragicamente verdadeiro poucos meses após sua publicação, quando Lennon foi covardemente assassinado.
Se o futuro é imprevisível, o melhor que podemos fazer é desenvolver cenários mentais de vários futuros possíveis, e nos prepararmos da melhor maneira para cada um deles. Isso vale para vocês, que estão iniciando a vida profissional, e também para nós, que continuamos com a missão de preparar os engenheiros do futuro.
No que diz respeito aos engenheiros do futuro, embora o futuro em geral seja imprevisível, vou arriscar uma previsão das linhas gerais de um evento que vai ocorrer daqui a pouco menos de cinco anos.
Escrevam aí: no dia 18 de fevereiro de 2013, na primeira segunda-feira após o carnaval, a UTFPR vai receber um aluno muito especial. Eu não sei quem será ele. Não sei se será torcedor do Atlético ou do Coxa, os únicos dois times da capital que existirão nessa época. Talvez esse aluno já esteja até mesmo nesse auditório. Mas eu sei que no primeiro semestre de 2013 nós iremos receber esse aluno especial, o primeiro a ter nascido quando a internet já existia.
Esse aluno saberá mais sobre computação e internet do que qualquer um de seus professores. Ele estará mais acostumado a resolver problemas por meio de simulação computacional do que por meio de cálculos analíticos.
Para ele, coisas como Google, Orkut e YouTube parecerão ter sempre existido. Para ele, e-mail será “coisa de velho” e ele se comunicará muito mais via programas de mensagem instantânea, como MSN e Skype, ou por meio de redes sociais online, como o Orkut.
Esse aluno, uma vez formado, irá trabalhar em áreas que hoje nem mesmo existem.
Esse futuro é fácil de ser previsto, pois, se ele é o futuro de um calouro ou caloura do ano 2013, ele hoje é o presente de um adolescente de 12 ou 13 anos. E é assim que são os adolescentes de hoje em dia: digitais.
A não ser que aconteça uma catástrofe mundial, esse cenário de uma universidade composta quase totalmente por alunos digitais, que já nasceram globalizados, parece bastante provável. E temos pouco menos de cinco anos para responder a pergunta: o que iremos fazer com eles?
A principal mudança, que já começa a acontecer, será a de que o professor não poderá mais agir como se fosse o único dono do conhecimento. De fato, o conhecimento hoje não é mais propriedade de um pequeno número de iniciados, mas pode ser acessado por qualquer um que tenha uma conexão com a internet.
Um tipo de professor em particular está com os dias contados: aquele que não consegue avaliar seus alunos a não ser por meio da indução ao erro. Esse professor é como o Paraná Clube: já morreu, mas ainda não sabe disso.
Em vez de ser um mero retransmissor de conhecimentos, o professor deverá passar a ser um orientador, um facilitador, um coach. Em vez de ser visto como um disciplinador severo, ele deverá passar a ser visto como um “primus inter pares”, o primeiro entre iguais.
Esse professor-coach deverá se comportar como um técnico de futebol, de vôlei ou de outro esporte coletivo. Ele deverá se comprometer com a equipe e se conscientizar de que o sucesso de seus alunos é o sucesso dele também, e que o fracasso de seus alunos é o fracasso dele também. Ele deverá torcer pelo sucesso de seus alunos, antes e depois da formatura, mas sem tratá-los como prima donas. E ele jamais dirá “pede pra sair!”
É claro que existem várias formas de se medir e definir o sucesso. Sucesso financeiro é importante e nós gostamos dessa definição porque ela é preto no branco. Muitos de vocês terão grande sucesso financeiro. Alguns irão abandonar a área de engenharia por causa disso, mas não se preocupem. O que importa é que qualquer coisa que vocês possam vir a fazer ficará mais fácil de ser feita com esse diploma em mãos, do que sem ele.
Mas sucesso de verdade não é só financeiro. Sucesso de verdade é deixar uma contribuição. De vez em quando o sucesso é até mesmo muito sutil. Por exemplo, o professor Darcy Ribeiro, que foi antropólogo, escritor, Ministro da Educação, criador da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Letras, certa vez disse:
“Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer o Brasil se desenvolver autonomamente e fracassei. Mas os meus fracassos são as minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar daqueles que me venceram.”
Finalizando, meu maior desejo não é só que vocês se tornem pessoas de sucesso, mas também pessoas de valor, e que sejam capazes de deixar uma contribuição. Mas, se vocês tiverem que fracassar da maneira que fracassou o professor Darcy Ribeiro, então vocês podem ter certeza de que terão sido um grande sucesso.
Obrigado pela atenção e pela paciência. Vida longa e próspera!