Meu primeiro discurso de formatura como paraninfo, lá pelos idos de 2002, foi razoavelmente bem recebido, mas se perdeu no último crash do meu computador. Para o segundo discurso, um ou dois semestres depois, preparei apenas algumas notas, as quais ainda tenho, e improvisei sobre elas. O resultado agradou a muitos alunos, mas alguns professores detestaram. Melhor não falar sobre isso. Nessa terceira oportunidade, para evitar que o texto se perca (risco que provavelmente só interessa a mim), resolvi publicá-lo aqui. A versão escrita é apenas um guia para a versão falada, a qual, para desespero de alguns, também teve certo grau de improviso.
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Ilustríssimo senhor diretor do campus Curitiba da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, professor doutor Paulo Osmar Dias Barbosa, demais autoridades já mencionadas, queridos pais e familiares, prezadas senhoras, prezados senhores, caríssimos e novíssimos engenheiros e engenheiras recém-formados.
É uma satisfação e uma grande honra ser convidado como paraninfo da turma de vocês. É também uma grande surpresa, pois, na minha formatura, eu fui um dos candidatos a orador. Tive um voto, pois os meus colegas tinham muito medo que eu fosse falar bobagem.
Eles não tinham medo de uma bobagem do tipo que é só uma inverdade, como “a Terra é plana”, “os elefantes voam” ou “o Coxa é o melhor time do Paraná”.
Eles tinham medo de uma brincadeira ou piada que fica bem em determinada situação, mas pode causar constrangimento em outras. Eles tinham medo que eu pudesse ser deselegante.
Em defesa dos meus colegas, confesso que de vez em quando as probabilidades estão contra mim. Por exemplo, em palestra recente, eu tinha que falar sobre o Setor Elétrico Brasileiro, fazendo algumas comparações com países de menor consumo de energia. Comecei com o Equador, comentando sobre a fragilidade do sistema de transmissão deles, e finalizei com o Paraguai, comentando que teria sido mais fácil para o Brasil se, na época da construção de Itaipu, os paraguaios tivessem aceitado converter o sistema deles para 60 Hz.
Achando que tinha exagerado um pouco na parte do Paraguai, resolvi perguntar se havia algum paraguaio na sala. Uma menina levantou a mão. Eu perguntei se ela era mesmo paraguaia, pois ela falava português sem sotaque algum, e ela respondeu: “Não. A minha irmã é paraguaia. Eu sou equatoriana.”
Agora, me digam, qual a probabilidade disso acontecer!
Mas, muito antes da formatura, como acontece com todos, veio o primeiro dia de aula e o primeiro choque. O professor entrou, distribuiu algumas pilhas de apostilas, falou rapidamente sobre a disciplina e deu um conselho aos alunos vindos de escolas particulares; “aqui o rei sou eu, e vocês são meus serviçais”.
Felizmente, a grande maioria dos meus professores não era assim. Na verdade, nem aquele professor era assim. Era só jogo de cena para assustar calouros. Mas calouro é um bicho fácil de se assustar e ele não precisava ter exagerado.
Mas professores, bons ou ruins, têm uma característica peculiar, compartilhada talvez com médicos, psicólogos e outros profissionais da área de serviços: eles quase nunca observam outros colegas em ação, pois passam a maior parte do tempo em contato com seus clientes, os alunos, cujas necessidades não conhecem muito bem.
Além disso, a própria escola é uma instituição muito peculiar. Afinal, que outra empresa se livra de seus clientes em uma cerimônia pública, que chamamos de “colação de grau”?
Ainda assim, apesar de todas as idiossincrasias, é difícil imaginar instituição mais importante do que as escolas de ensino superior. De fato, o professor Steven Weinberg, ganhador do prêmio Nobel de física em 1979, certa vez disse que “se não fossem as universidades, os Estados Unidos viveriam hoje do turismo e da agricultura”.
E, de fato, de que vive o Brasil hoje, senão de turismo, agricultura e algumas coisas mais? É verdade que também exportamos aviões e outros produtos tecnológicos, mas os aviões são produzidos pela Embraer, que nasceu dentro do ITA, uma instituição de ensino superior, o que só reforça a tese do professor Weinberg.
Mas nossa história é diferente da história do ITA, da USP, da Unicamp ou da nossa irmã quase gêmea, a UFPR, mas é uma história única e autêntica, que merece ser contada.
Nascemos em 1910, como uma escola de artífices, ou seja, uma instituição desvinculada do sistema de ensino nacional, destinada apenas ao ensino profissionalizante dos “desvalidos da sorte”, para usar as palavras da época.
Progredimos aos poucos. Liceu Industrial de Curitiba, Escola Técnica Federal de Curitiba, Escola Técnica Federal do Paraná, e, em 1978, Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.
Hoje, somos a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, a UTFPR, e ainda estamos tentando entender o que isso significa, ou até mesmo como pronunciar corretamente uma sigla que quase só tem consoantes.
Ao contrário de muitas universidades do Brasil e do mundo, nascemos do esforço de técnicos, engenheiros e outros profissionais, muitos deles formados aqui mesmo.
Enquanto os brasileiros são freqüentemente acusados de praticar a autofagia, nós, na UTFPR, aprendemos a praticar a auto-regeneração.
Os mestres e doutores, necessários e importantes em qualquer universidade, começaram a chegar há pouco mais de 20 anos, e ainda estamos tentando entender o conflito entre a necessidade do ensino técnico, que sempre existiu e sempre existirá, e a nova necessidade de investimento em pesquisa pura e aplicada, que é uma das funções obrigatórias de qualquer universidade do nosso porte.
Agora, eu gostaria de voltar àquele primeiro semestre do meu curso de Engenharia. Gente, aquilo foi realmente um massacre. Dos 44 alunos que passaram no vestibular, apenas 7 foram aprovados em todas as disciplinas do primeiro período. Destes 7, apenas 3 conseguiram acabar o curso em quatro anos e meio, que era a duração mínima naquela época.
Isso não significa que nossos alunos sejam ruins. Na verdade, vocês são ótimos. O que acontece é que o curso é mesmo muito difícil e não temos intenção de torná-lo mais fácil.
Caso fizéssemos isso, correríamos o risco de começar a formar gente pior do que nós mesmos. E a finalidade de qualquer professor, em qualquer lugar do mundo, é preparar pessoas que, algum dia, serão melhores do que ele.
Mas, depois de enfrentar Cálculo, Estatística, Eletromagnetismo, Resistência dos Materiais e outras pragas, nossos alunos descobrem que ainda devem enfrentar a experiência mais aterradora de todas: as reuniões da comissão de formatura.
É difícil organizar formaturas em um curso onde as turmas-base se esfacelam ao longo do tempo. Assim, fica aqui uma menção especial a quatro alunos: Mauricio, Sandra, Diogo e Francisco. Sem vocês, essa cerimônia não teria sido possível. Os meus alunos atuais também agradecem, pois hoje é dia de aula...
A propósito, participar de uma comissão de formatura é mostra de empreendedorismo. E em algumas situações da vida profissional, isso é mais importante do que muita coisa.
E qualquer empreendedor, trabalhando em uma empresa ou por conta própria, deve em primeiro lugar se lembrar do aviso impresso na primeira página do fictício Guia do Mochileiro das Galáxias: “não entre em pânico!”.
A viagem à frente será longa, tempestuosa, difícil e arriscada, e o fracasso é o único resultado garantido. Quem se arrisca, abre para si um oceano de possibilidades, inclusive a possibilidade de sucesso. Quem não se arrisca, já fracassou.
Apesar das incertezas, o que sabemos ao certo é que um engenheiro da UTFPR pode fazer quase qualquer coisa. Nossos alunos, formados ao longo desses quase 30 anos de curso de Engenharia, estão espalhados pelo mundo, trabalhando no Brasil e no exterior. Até o momento, nenhum deles ganhou um prêmio Nobel, mas isso é só uma questão de tempo.
Para finalizar, a frase que eu tenho sempre em mente é conselho de Mário Andretti, campeão da Fórmula 1 e da Fórmula Indy, que disse: “Se as coisas parecerem estar sob controle, então é sinal que você não está indo rápido o suficiente”.
Assim, pisem forte nesse acelerador e usem o freio só em caso de emergência.
Obrigado pela paciência. Vocês são ótimos. Vida longa e próspera!